Por Paulo Roberto Bretas
Economista e conselheiro do Corecon-MG

Muitos dos meus colegas economistas escrevem diariamente sobre os efeitos e impactos econômicos da Covid-19, esperam ser lidos, aguardam que a história lhes beneficie em suas previsões. Mas, na prática, a população brasileira já descobriu os impactos econômicos da crise há muito tempo, sem precisar ler uma única linha.

Pobres seguem pobres, doentes seguem sem atendimento, desempregados viram informais e os informais passam por muitas necessidades e privações. As pequenas, médias e micro empresas estão fechando suas portas. Grandes empresas vão se adaptando ao novo normal da produção. Os empreendedores individuais descobrem que não são tão empresários assim. A ajuda federal chega atrasada e não resolverá todos os problemas.

As dificuldades para produzir, geradas pela falta de insumos e pela falta de liquidez, com queda nas vendas, leva diversas empresas, mesmo eficientes, à falência – o que, certamente, aumentará as consequências sociais negativas que se apresentam. É preciso se preparar para uma crise mais prolongada. É preciso se reinventar.

A situação apresentará melhorias quando houver a aplicação em massa de uma vacina, ou, quem sabe, com a descoberta de um tratamento eficaz para a doença que nos destrói. Fora isso, o que se espera é um abre e fecha das atividades, entre um lock-down e outro. Mas pense: em algum momento, a crise da Covid-19 passará, famílias e empresas farão um inventário de suas perdas e recomeçarão.

Entre os setores mais afetados pela crise econômica estão aqueles ligados aos serviços, como o comércio e até os bancos. Esses são também os setores mais negativos em termos de mercado de trabalho. No cenário referência trabalhado em minhas pesquisas, a estimativa gira em torno de cinco milhões de ocupações perdidas em 2020, apenas nesses dois setores.

As ocupações na indústria de transformação e na construção civil também sofrerão reduções significativas, com a perda de cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho. O desemprego total poderá se elevar a cerca de 20 milhões de pessoas. Alguns desses empregos nunca mais voltarão a existir.

Fiz um levantamento das atividades que estão sendo mais afetadas pela crise econômica derivada da pandemia: atividades ligadas ao lazer; serviços educacionais; arte, cultura, esporte e recreação; turismo; hotéis e alojamentos; alimentação fora do lar; bares e restaurantes; aviação comercial e setores da moda e do varejo tradicional. Todos dependerão de uma dose de boa gestão, imaginação e boas políticas públicas para sobreviverem.

No meio da crise, que é sanitária, econômica e também política, é preciso erguer a cabeça, adquirir confiança e não deixar morrer a esperança que nos move. Sem esperar por milagres de braços cruzados.

Em que pese os choques de oferta com cadeias produtivas desorganizadas e em lenta recuperação; em que pese os choques de demanda, com pessoas comprando menos, saindo menos, se reunindo menos e com muito medo de gastar; todos nós temos que nos reinventar.

Portanto, a capacidade de renovar-se deve começar pelas empresas. Penso nas lições aprendidas e vejo as organizações buscando sobreviver, adotando processos de comunicação inovadores, baseados em mídias digitais e ampliando seus mundos virtuais. Percebo a plena utilização de recursos digitais e de valorização dos profissionais dessas áreas. Vejo a renovação tecnológica de linhas de produção e o lançamento de novos produtos e serviços. Nunca a internet e a banda larga foram tão importantes.

Percebo a importância do armazém-geral de dados. Dados produzidos, capturados, copiados, colados e consumidos. Milhões de dispositivos interconectados e importantes informações acessíveis a todos. Como fica a proteção desses dados e informações? Um excelente mercado para quem investe em segurança cibernética. Quem irá controlar o uso e a comercialização dos dados armazenados de empresas e famílias? Os recursos de banda larga devem ser oferecidas em massa, a preços cada vez mais baixos. Passou a ser uma necessidade e um direito de todo cidadão.

Além disso, toda organização precisa pensar cada vez mais na saúde de clientes, funcionários e parceiros  fornecedores. Seremos mais empáticos e mais científicos com coletas de dados e informações sobre nossos clientes, sobre os nossos negócios, provando que respeitamos a privacidade e, assim, conquistando corações e mentes.

A intensificação do uso de robôs, da inteligência artificial, com o funcionamento amplo da internet das coisas encontra-se no radar das grandes organizações. O comércio eletrônico, que já crescia a taxas acima da média, se estabelece como uma grande saída para estar bem juntinho de cada cliente, no aconchego de suas casas. Quem não tiver loja virtual, que não se estabeleça.

As empresas precisam apostar na criação de plataformas de negócios, reforçando suas vantagens competitivas.
Enquanto durar o quadro endêmico, nossos lares serão escritórios, salas de aula, salas de reunião, restaurantes, bares, espaços de lazer e esporte e até mesmo lugares onde podemos descansar e curtir a família. A casa se tornou o centro das atividades econômicas, da convivência mínima e da vida. Vejo e reconheço o mundo pelas telas dos computadores e smartphones.

A empresa brasileira, para sair-se bem, deverá estar mais atenta para o mundo on-line, sem aglomerações, com serviços eficientes de entrega e estreitamento das margens de lucro, com uma enorme concorrência em meio à queda dos gastos das famílias. Pensar no simples, no prático, no rápido, no seguro e limpo.

A economia brasileira vai requerer, mais do que nunca, a criação de condições de competitividade, que coloquem o país em pé de igualdade com seus principais concorrentes. Fica um alerta com relação ao possível aumento do protecionismo em todo o mundo, além das lições tiradas quanto à dependência da produção da China. Quando iremos levar a sério nosso processo de desindustrialização crescente?

Muitas outras medidas são esperadas das organizações: respeito ao distanciamento físico; cuidados especiais para com os idosos; preços competitivos; mais higiene; uso de máscaras e disponibilidade de álcool gel; muita atenção aos serviços de entrega e valorização dos funcionários de linha de frente.

Se as empresas acelerarem suas curvas de aprendizado, saberão que é fundamental adaptarem-se às novas condições da sociedade em transformação, em contínuos processos de evolução, e às novas informações que emanam de seu ecossistema de negócios, em vez de retornar à forma antiga e estática de agir.

O negócio de sucesso vai atingir clientes que irão se apaixonar pelo seu modelo de negócio, enquanto lhes trouxer segurança, cooperação e esperança de dias melhores. O negócio vencedor irá fidelizar a sociedade, mostrando seu propósito social e sua força para o engajamento cooperativo. Isto é o que realmente importa para cada ser humano do planeta, para sermos menos miseráveis, espiritual e materialmente, e derrotarmos o inimigo comum.

A miséria da pandemia ou uma pandemia da miséria?
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