Com perspectivas incertas para a economia brasileira, no curto e longo prazos, precisamos buscar uma agenda mínima para a política econômica que possa ter o apoio mais amplo possível das diversas correntes do pensamento econômico. Entendemos que o receituário que tem prevalecido na política econômica do país, nos últimos anos, é o principal causador da retração econômica em 2015/2016 e do crescimento pífio, levando até à retração da renda per capita, a partir de então. Não é aceitável continuar a insistir em cortes de gastos públicos, tanto em custeio quanto em investimentos, como forma de recuperar a confiança e, assim, o crescimento econômico, com o agravante de que a grande maioria dos cortes propostos serem em investimentos públicos e transferências, previdenciárias e outras, para os mais pobres, aumentando as desigualdades.
Contestamos a rejeição de alguns economistas a qualquer restrição ao funcionamento dos mercados, com a alegação de que, entre os agentes do Estado responsáveis, tanto os políticos quanto os técnicos, sempre prevalecerão seus interesses pessoais, mais ligados ao enriquecimento e progresso na carreira, em detrimento dos interesses da população em geral. Além disso, argumentam que mesmo um planejador benevolente não alcançaria resultados melhores que o livre mercado, qual seja, produzir os bens e serviços nas quantidades e qualidades preferidas pelos consumidores. Segundo eles, seria apenas controlar as chamadas falhas do mercado que o sistema econômico funcionaria da melhor maneira.
Entretanto, esse controle seria feito por agentes externos ao mercado, o que recairia no problema de desvio de interesses. Além disso, o livre mercado não fornece soluções para todos os nossos desafios de médio e longo prazos, como os de reduzir as desigualdades e distribuir oportunidades. Para tanto, esses economistas mais liberais eventualmente aceitam políticas horizontais, como investimentos em educação, embora priorizem, obstinadamente, o equilíbrio orçamentário de curto prazo. Por mais que insistam nas vantagens desse receituário, os casos concretos, no Brasil e no mundo, indicam não ser suficiente. Vale citar as dificuldades econômicas da Argentina nas últimas décadas, possivelmente maiores que as do Brasil, mesmo com níveis educacionais da população muito melhores. Entre as regiões do Brasil, a quantidade e qualidade de engenheiros e técnicos formados no Nordeste seriam o bastante para propiciar níveis de industrialização comparáveis aos do Centro-Sul.
Conclamamos os economistas, de todas as abordagens, a elaborar um programa mínimo para tirar o País desta letargia. Algo na linha do que os EUA, grande nação liberal, fizeram em reação à crise financeira de 2008, ao lado das outras nações economicamente avançadas da Europa – política fiscal anticíclica. O descontrole dos gastos públicos pode levar ao descontrole da dívida pública, eventualmente incentivando fugas de capitais, que podem pressionar inflação e serem um fator recessivo. Contudo, o “austericídio” não está resolvendo, nem esperamos que resolva. Elevação dos investimentos em infraestrutura, mas com mecanismos de controle da dívida pública, algo como tetos para períodos futuros, anunciados e rigorosamente observados, aumento das operações de crédito dos bancos públicos e políticas que favoreçam reduções das taxas de juros cobradas das empresas e dos consumidores é a nossa proposta para o curto prazo.
Com isso, demanda adicional seria gerada do aumento de gastos públicos, elevando a produção e, assim, a arrecadação, parte da qual poderia ser direcionada para reduzir a dívida pública. Ao lado dessa estratégia de curto prazo, um projeto de país que melhore a qualidade de vida de todos precisa ser estabelecido. Uma estratégia seria algo como dois polos de desenvolvimento complementares, que poderíamos chamar de economia da complexidade e economia das comunidades.
O primeiro seria o desenvolvimento de atividades econômicas de alta complexidade produtiva e grande potencial de mercado, podendo gerar bens e serviços finais ou participar de cadeias globais de valor. Neste polo, propõe-se uma ação do Estado também na linha da grande nação liberal e de outras desenvolvidas da Europa, qual seja, a promoção e o apoio à ciência, tecnologia e inovação, complementada por algumas políticas de incentivo e proteção setorial. Sem maiores preocupações com as doutrinas de livre mercado, os países desenvolvidos há muito mantêm gastos públicos com projetos de pesquisa, em universidades e agências públicas, que geram inúmeras aplicações econômicas, além de proteção a setores, como o agropecuário, por exemplo. Com isso, seriam geradas, massivamente, ocupações de alta produtividade, que alcançariam altas remunerações e seriam transmitidas, pela concorrência no mercado de trabalho, a setores menos complexos.
Política anticíclica e de desenvolvimento de complexidade produtiva ainda não seria suficiente. Poderia tornar-nos uma economia como a indiana, com ilhas de excelência num mar de miséria. É preciso incentivar setores que gerem muito emprego de menor qualificação, como construção e comércio, e promover o segundo polo de desenvolvimento, a economia das comunidades, para absorver o grande contingente de trabalhadores desempregados, desalentados e com ocupações precárias. Seria estimular e apoiar a disseminação de atividades produtivas em comunidades rurais e nas periferias urbanas, que possam ser realizadas pelos seus membros e tenham mercado, interno ou externo. Incentivos fiscais e creditícios, ao lado de assistência técnica, poderiam propiciar geração de renda nessas comunidades, com gradual redução da dependência de transferências assistenciais, como o programa Bolsa Família.
A integração econômica é fundamental para aumentar a competitividade e abrir novos mercados, desde que, tanto privilegie setores de maior valor agregado e inovação tecnológica, quanto contribua para a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Conselho Federal de Economia