O novo coronavírus (Covid-19), que tomou proporções pandêmicas em um curto período de tempo, chegou ao Brasil há menos de um mês e já causa grandes impactos. O país, que teve seu primeiro caso confirmado em 26 de fevereiro, soma hoje, dia 20 de março, mais de 621 doentes, um crescimento superior a 28.000% em apenas 23 dias [1]. Só em Minas Gerais, são 29 pessoas comprovadamente infectadas, estando outras 2.140 ainda sob suspeita [2].
Em virtude disso, descortina-se um momento crítico e cheio de incertezas em nossa economia. Até o momento, os setores mais impactados são os de aviação, turismo, agropecuária e indústria – sobretudo as que dependem de insumos importados. Comércio e serviços, no entanto, deverão ser afetados em breve, tendo em vista a redução da demanda a ser ocasionada pelas recomendações de reclusão social enquanto medida de prevenção ao contágio.
Se assim ocorrer, as fábricas precisarão reduzir ou interromper a produção, provocando um choque de oferta que inflará o preço de alguns produtos. Além disso, a receita da administração pública poderá sofrer com a queda da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e a população, por sua vez, com o desemprego, já que a mão de obra ficará subutilizada e se tornará cara perante a redução de lucros.
Para os trabalhadores informais, cujo número tem aumentado progressivamente nos últimos meses, ficar em casa será sinônimo de ficar sem salário, salvas raras exceções em que seja possível o trabalho remoto ou em que possuam fundos reservados para emergências. Estes, sem garantia, precisarão escolher entre se expor ao vírus ou passar necessidades.
Em relação à saúde pública, que há muito já sofre com investimentos insuficientes, a tendência é o crescimento acentuado de demanda, o que leva a sérios riscos de um colapso que afetará, principalmente, a população menos privilegiada. Apesar de ser um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS) já deixou de receber cerca de 20 bilhões de reais nos últimos três anos, por conta da Lei do Teto de Gastos [3].
Essa negligência impede, principalmente em locais periféricos ou interioranos, a modernização de aparelhos, a construção e reforma de complexos hospitalares, a distribuição efetiva de medicamentos e a contratação de novos profissionais. Dada sua dimensão, o SUS certamente não deixará os doentes desamparados, mas terá que fazer malabarismos para cuidar dessa e de outras necessidades da população.
Mesmo com todas essas circunstâncias, notamos a ausência de estratégias de enfrentamento suficientemente articuladas e alinhadas. Paulo Guedes, o ministro da Economia, insiste em vender suas propostas de reformas como a salvação da pátria, quando sabemos que o momento requer outro nível de discussão e ações concretas de curtíssimo prazo.
Já o presidente da república, Jair Bolsonaro, mostrou-se incrédulo e irresponsável ao ignorar as medidas de prevenção recomendadas pelos órgãos de saúde, utilizando-se desse frágil contexto para fazer declarações incoerentes sobre a natureza da doença, sobre adversários políticos e desautorizando seus próprios ministros. Seu comportamento ficou muito aquém do esperado de um líder político, para o qual nem mesmo o exemplo de outros países pareceu servir.
Ao mesmo tempo, o conjunto de medidas já anunciado pelo Governo Federal para lidar com a provável desaceleração da economia é tímido e insuficiente. Liberar mais dinheiro para os bancos, por exemplo, não significa colocar mais dinheiro disponível para empresas e pessoas, muito menos para aquelas que mais necessitam.
O primeiro pacote, anunciado no dia 16 de março, não tinha nada que contemplasse os trabalhadores informais, os quais, conforme já abordado, estão entre os mais afetados e deveriam ser priorizados.
Somente no dia 18 de março, Bolsonaro e Guedes anunciaram o pagamento de 200 reais mensais, durante três meses, para os autônomos. O gasto previsto é de 15 bilhões de reais para o governo, mas a quantia oferecida passa longe de ser o suficiente para dar garantias básicas a tais indivíduos. O ideal seria, na realidade, desenvolver um conjunto de benefícios que lhes garanta a manutenção da própria renda.
Já para os trabalhadores formais, a medida anunciada foi o adiamento, por três meses, do pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pelos patrões, reduzindo o valor do desconto que incide sobre os salários. Centrais sindicais, no entanto, têm cobrado a garantia de estabilidade no emprego durante a crise, o abono de faltas e a ampliação do seguro-desemprego. A verba, nesse caso, poderia vir da suspensão da Lei do Teto de Gastos, que impede a ampliação de investimentos públicos, e da renegociação de juros da dívida interna, que seriam diferidos no tempo para pagamento futuro.
Outra decisão controversa foi a de autorizar às empresas que cortem, em até 50%, a jornada de trabalho e o pagamento de seus funcionários. Em um país no qual o salário médio já é extremamente baixo, beirando o mínimo, fica impossível que o trabalhador sobreviva com menos do que já ganha usualmente. Uma das alternativas seria injetar recursos para a manutenção dos empregos, ao invés de alterar condições previamente estabelecidas.
Para além dos empregados, também precisamos considerar as empresas, isto é, os empregadores. Estas, em especial as micro, pequenas e médias, precisarão de crédito a juros zero e mais tempo para que possam honrar seus compromissos, além de mais facilidade na renegociação de financiamentos, em bases mais compatíveis com a situação de emergência.
O reconhecimento da situação de calamidade pública, com as repercussões que terá sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, pode oferecer ao governo os necessários instrumentos financeiros para combater essa pandemia. Além de permitir o fortalecimento do SUS, trará a possibilidade de cooperação com estados e municípios para que possam enfrentar, por meio de ações consonantes, os riscos do Covid-19.
Com a adoção do estado de calamidade, o governo também ficará dispensado de seguir os prazos para ajuste das despesas de pessoal e dos limites de endividamento; para cumprimento das metas fiscais, que preveem um déficit primário de R$ 124,1 bilhões; e para adoção dos limites de empenho (contingenciamento) das despesas, até o último dia de 2020.
Cabe lembrar que a economia já vinha sofrendo de uma recuperação anêmica, praticamente “crescendo de lado”, não conseguindo romper as barreiras do 1,1% de aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Em Minas Gerais, após duas quedas trimestrais consecutivas, o indicador fechou 2019 com retração de 0,3%[4], evidenciando um cenário prévio já bastante defasado. Se não houver empenho para que esse infeliz momento seja superado, a tendência é que os dados fiquem cada vez mais alarmantes.
A economia, no entanto, não se trata somente de números, mas da qualidade de vida e do bem-estar social. Sendo assim, também é de suma importância que o poder público tome atitudes em defesa da população. São algumas recomendações:
a) Extinção da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial nº 186, da Lei do Teto de Gastos e da Reforma Administrativa e a suspensão imediata das propostas de desvinculação orçamentária, das privatizações e das demais medidas que retiram direitos trabalhistas e sociais;
b) Manutenção da decisão do Congresso sobre o Benefício de Prestação Continuada;
c) Liberação imediata de aposentadorias e auxílios-doença paralisados por causa da “fila” do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS);
d) Extensão imediata do benefício Bolsa Família e isenção de contas de água, luz e aluguel para todas as famílias de baixa renda, somadas à distribuição de cestas básicas, enquanto as aulas estiverem suspensas, para os que dependem de merendas escolares;
e) Taxação dos lucros dos bancos e de grandes fortunas e suspensão do pagamento da dívida pública para os grandes credores, visando garantir recursos para esse investimento social emergencial;
f) Higienização frequente do transporte público (ônibus, trens, metrôs) e demais equipamentos de uso público.
g) Garantia de testes gratuitos em massa e distribuição gratuita de álcool gel e máscaras.
Por outro lado, é preciso que a população contribua com o poder público, pois ele não conseguirá reverter o quadro sozinho. Cada indivíduo deve cumprir as medidas de proteção que lhes forem possíveis, além de participarem de redes de solidariedade, prezando pelo amparo mútuo. É muito importante o cuidado com a saúde mental, seja própria ou dos outros, para ajudar a evitar um quadro de desespero coletivo e consequentes atitudes imprudentes em “efeito manada”.
Que as instituições possam apoiar esse comportamento por parte de seus colaboradores e clientes, suspendendo as atividades não relacionadas a serviços essenciais e comércio de produtos de primeira necessidade, com licença remunerada e garantia de estabilidade aos trabalhadores. As instituições que, em vista de sua natureza, não puderem parar (supermercados, farmácias, laboratórios, hospitais, etc.), devem priorizar a liberação de funcionários que façam parte de grupos de risco e/ou que sejam responsáveis por crianças com aulas suspensas, além de congelar preços de alimentos, remédios, produtos de higiene e limpeza e gás de cozinha.
Já aos economistas, cabe um papel muito semelhante ao dos médicos e pesquisadores no combate ao coronavírus: analisar as particularidades desse inédito ocorrido e estar em acompanhamento contínuo das novidades sobre o assunto, trocando informações, análises e opiniões e instruindo à população. A partir disso, nascerão diagnósticos e, consequentemente, recomendações de ações coletivas para o enfrentamento à crise. Daí a tão falada importância do investimento em ciência, educação e pesquisa.
Sigamos juntos e trabalhando colaborativamente. O Corecon-MG continua monitorando a situação de perto e se coloca à disposição da população, na esperança que tudo se resolva através do comprometimento de todos, sem a necessidade de qualquer tentativa de quarentena militarizada.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DE MINAS GERAIS
BELO HORIZONTE, 20 DE MARÇO DE 2020
[1] Dados do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
[2] Dados da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais.
[3] Dados do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
[4] Dados da Fundação João Pinheiro (FJP).