Marco Flávio da Cunha Resende
Professor de economia da UFMG/Cedeplar, conselheiro suplente do Corecon-MG, pesquisador do CNPq e pós-doutor pela Universidade de Cambridge
ERRADO quem pensou que sim.
O governo, sua equipe econômica e parte dos analistas e da mídia não entenderam que estamos numa “economia de guerra”. Em tempos normais, o descontrole da relação dívida/PIB aumenta a incerteza dos agentes (empresários, rentistas e consumidores) sobre a capacidade de o governo honrar sua dívida, levando-os a protegerem sua riqueza e alocá-la em ativos financeiros líquidos em detrimento do investimento no setor produtivo, fazendo cair o crescimento da economia, da renda e do emprego.
Na economia de guerra, a teoria econômica convencional perde a validade e o efeito é o oposto: a emissão de dívida significa que o governo terá dinheiro para transferir diretamente para trabalhadores formais e informais, desempregados e para as empresas, impedindo o colapso da demanda agregada, das vendas das empresas e dos empregos. Impedindo também a emergência de convulsão social que viria na esteira da depressão econômica.
Por isso, a emissão de dívida pública vinculada a estes fins acalma o mercado na economia de guerra. O mercado não vai interpretar a expansão fiscal e da dívida pública como política que levará ao aumento da especulação e a uma corrida contra o Real. Pelo contrário, tais medidas aumentarão a confiança do mercado na recuperação da economia e na capacidade de controle da situação econômica pelo governo.
Na economia de guerra não há distinção entre a relação dívida/PIB de países avançados e emergentes, pois esta relação irá se deteriorar em todas as economias. O ataque contra o Real já está acontecendo (Dólar a R$ 5,00), e vai continuar, mesmo sem emissão de dívida ou moeda, devido a recessão e incerteza mundial. A solução é o controle de capitais, medida que o Banco Central brasileiro não adotou até agora.
Adicionalmente, o arsenal de medidas de política monetária que vem sendo apresentado pelo Banco Central é insuficiente. Em um cenário de colapso da demanda concomitante ao choque de oferta (ambos decorrentes da reclusão em casa de consumidores e trabalhadores) as medidas de ampliação da liquidez são necessárias para evitar uma crise financeira, mas não são capazes impedir o colapso da demanda agregada – a liquidez que irrigará o sistema financeiro pode não ser repassada via crédito para empresas e consumidores, pois bancos podem preferir ficar líquidos ao invés de ampliar o crédito, por medo do calote.
Se tal liquidez é necessária, de outro lado, tem que haver estímulo direto de política fiscal para reerguer a demanda agregada e imediatamente. Isto só pode ser feito por meio de emissão massiva de dívida pública e mesmo de dinheiro novo.
Processo semelhante ocorre com a emissão de dinheiro novo. Na teoria convencional, a emissão de moeda leva ao aumento da demanda, supondo que a velocidade de circulação da moeda seria constante. O resultado é a inflação (se for verdadeira a hipótese de constância da velocidade de circulação da moeda). Na economia de guerra o aumento da demanda, se ocorrer, não pressiona os preços porque esta economia está (entrando) em recessão/depressão. Ademais, a velocidade de circulação da moeda cai, pois todos retém moeda devido à incerteza e pessimismo sobre o futuro. Por isso, mesmo com emissão monetária, as expectativas de inflação permanecem ancoradas, isto é, a expectativa dos agentes tende mais para uma deflação do que para uma diminuta inflação.
Quase todos os governos já entenderam isto. Os Estados Unidos estão propondo expansão fiscal da ordem de US$ 2 trilhões visando a alcançar diretamente trabalhadores, pequenas e médias empresas e o sistema de saúde. Conforme o Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas, a proposta é para que esta expansão alcance 11,3% do PIB americano.
No Reino Unido e Espanha, as medidas propostas são da ordem de 17% do PIB. Na Alemanha, os gastos do governo como proporção do PIB são também elevados, tendo sido anunciado em 23/03 um pacote de 800 bilhões de Euros (cerca de R$ 4,4 trilhões). A França vai por caminho similar. No Brasil, as medidas fiscais anunciadas até 26/03 eram da ordem de 2% do PIB, segundo o Observatório de Política Fiscal.
Países europeus e Estados Unidos estão propondo emissão de dívida e de moeda para financiar a economia e conter a recessão. Emitir dívida pública e moeda não é inflacionário e nem provoca ataque especulativo quando a recessão econômica é uma certeza. Pelo contrário, acalma o mercado. A solução é conter a pandemia e conter a recessão, mas o inacreditável governo Bolsonaro não está fazendo nem uma coisa e nem outra. Enquanto o ministro da saúde propõe o distanciamento social, seu patrão propõe o oposto. Governadores estão, porém, contendo a pandemia. Mas a recessão já bate à porta e o governo com a conversa fiada que não tem dinheiro para agir. Basta emitir dívida e dinheiro novo. O tempo urge.
Artigo originalmente publicado no portal Brasil Debate, em 31/03/2020.
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