Há dois anos, era realizado em Belo Horizonte um dos mais importantes encontros de economia do ano de 2017, o XXII Congresso Brasileiro de Economia que aconteceu entre os dias 06 e 08 de setembro de 2017. Naquela oportunidade o Brasil já enfrentava profundas dificuldades econômicas. O congresso teve 23 meses de trabalhos, com 108 palestrantes, mais de 1.200 pessoas inscritas, 2 convidados internacionais e representantes de diversas instituições. Um dos fatores a se destacar do congresso foi a grande participação dos estudantes e também da realização do fórum de mulheres economistas. No final do encontro, foi divulgada a carta de BH que segue replicada abaixo e traz na sua essência problemas estruturais que não foram solucionados:

MANIFESTO EM DEFESA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, JUSTIÇA SOCIAL E DEMOCRACIA

O XXII Congresso Brasileiro de Economia (CBE) ocorre num momento em que o Brasil atravessa sua mais grave crise social, econômica e política. Estão cada vez mais claras as reais motivações do atual governo: desmontar os direitos sociais e os serviços públicos, sustando o processo de inclusão social que estava em curso.

O recém-lançado pacote de privatizações aprofunda o processo de desnacionalização da economia brasileira. A proposta de privatização de empresas de setores estratégicos (Eletrobras, Petrobras, Banco do Brasil e BNDES) significa perda de soberania nacional. Além disso, algumas corporações transnacionais que já não mantinham aqui áreas de pesquisa, inovação e desenvolvimento, estão hoje transferindo plantas industriais para o exterior. Não é recomendável vender patrimônio público estratégico para cobrir déficit orçamentário, muito menos vendê-los em momento de crise econômica, quando os ativos estão desvalorizados. Cabe destacar que ineficiência e corrupção não são justificativas para a privatização e que a legislação dos países hegemônicos proíbe a venda de setores estratégicos ao capital estrangeiro.

No plano fiscal, o contingenciamento orçamentário realizado pelo governo não poupou nem mesmo as áreas de saúde e educação. Os hospitais e as universidades públicas agonizam, resultando na restrição de acesso ao ensino superior e técnico, público e privado. Quanto à questão da Previdência, há que se combater privilégios, mas buscar preservar os direitos da população que mais necessita desses benefícios.   

A Constituição Federal de 1988 resgatou direitos historicamente negados e constituiu um tímido Sistema de Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social). Outros programas e políticas para diminuir o déficit social – Bolsa Família, MCMV, SUAS, Luz para Todos – e principalmente, a política de valorização do Salário Mínimo, propiciaram uma melhora da condição de vida da população mais pobre e foi um dos pilares do processo de crescimento com distribuição de renda ocorrido na década passada.

Há a necessidade de se modificar o modelo tributário extremamente regressivo, pois quem tem rendimentos de até 2 salários mínimos tem carga tributária total de 49% (3% de tributos diretos e 46% de indiretos); aqueles com rendimentos acima de 30 salários mínimos têm carga tributária de 26% (10% de tributos diretos e 16% de indiretos) e, para os com rendimentos acima de R$ 3 milhões anuais, a carga tributária total é de apenas 8%. O Estado gasta muito com transferências para os que estão no topo da pirâmide social, mediante juros da dívida pública, subsídios creditícios, desonerações e isenções fiscais, sacrificando os programas e políticas sociais. Também os micro e pequenos empresários, que respondem pela geração de mais de 50% dos empregos no país, têm sido massacrados pela Política Macroeconômica. Neste sentido, propomos medidas tais como a imediata restituição da tributação sobre lucros e dividendos, pessoa física.

Ademais, a necessária Reforma Tributária que se apresenta deve levar em consideração também elementos que conduzam o país a construção de um arranjo federativo que prime por mais justiça e equidade regional.

O surgimento recorrente de graves denúncias aprofunda a crise política brasileira, deteriora ainda mais o ambiente econômico e social do país e aumenta o grau de incerteza, terreno fértil para especulação financeira, com consequências negativas sobre os investimentos, emprego e renda. Ainda assim, a combinação de um ambiente externo favorável e a existência de ampla capacidade ociosa de fatores com reflexos sobre a inflação e a trajetória de taxa de juros, colocam um possível cenário de lenta retomada de crescimento da economia. O discurso em prol das reformas trabalhista e previdenciária com o objetivo de resgatar a confiança e reduzir o “Custo-Brasil”, atribuindo ao custo do trabalho o fator determinante para a baixa competitividade de nossa economia, despreza outros fatores: elevada taxa de juros, câmbio apreciado, insuficiente e precária infraestrutura, baixa qualificação da mão de obra e baixíssimo investimento em inovação.

Os bancos e as grandes corporações pretendem impor seus interesses ao conjunto da sociedade. É imperativo que a vontade soberana do povo esteja acima dos anseios e receios do mercado. Mantidas as atuais políticas, dificilmente atingiremos as condições para o crescimento inclusivo e com distribuição da renda. Pior, compromete a possibilidade de implementar políticas públicas por meio da estrutura do Estado pós privatização.

Da mesma forma nos manifestamos em favor da necessidade de ações que nos conduzam a construção de um país mais ético e probo, defendendo que medidas de combate a corrupção tenham continuidade em todos os níveis de governo, bem como nos poderes legislativo e judiciário. 

Nós, congressistas, reunidos no XXII Congresso Brasileiro de Economia, subscrevemos este documento e constituímos o Movimento em defesa do desenvolvimento econômico, justiça social e democracia.

 

Belo Horizonte (MG), 8 de setembro de 2017

Carta de Belo Horizonte – 22º Congresso Brasileiro de Economia

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