Imagine que seu banco está te cobrando taxas de juros abusivas e você decide resolver o problema na justiça. No entanto, ao se encontrarem nos tribunais, o advogado da instituição financeira alega que tais taxas são absolutamente normais. Como provar ao juiz que as cobranças realizadas estão acima do valor de mercado? A resposta é simples: quem vai fazer o cálculo é um perito econômico-financeiro, que atua não somente neste, mas em diversos outros casos em que um juiz recorre à matemática para embasar seu veredito. É o perito quem vai produzir a chamada prova pericial, além de fazer os cálculos de liquidação depois de dada a sentença.
Em meio a tantos outros, este foi o exemplo escolhido pelo perito Luiz Fernando Perez* para explicar melhor como funciona sua área de atuação. “O perito está entre o juiz e a decisão, porque as provas que ele produz é que dão base para a sentença”, afirma. Luiz já atua na área há 22 anos, tendo realizado mais de 10 mil perícias, e conheceu a profissão antes mesmo de existirem cursos de capacitação e formações específicas em tal especialidade.
“Antes da perícia, trabalhava no comércio. Aprendi a fazer cálculos em um escritório de contabilidade, onde trabalhei com sistema financeiro. Quando conheci a perícia, decidi fechar as portas e investir nesse novo ramo”, conta o profissional. Ele é formado em economia e já fez cursos na área de matemática financeira, mas, sobre perícia, diz ter aprendido tudo na prática. “Aprendi o que sei na medida em que fui trabalhando. Nunca neguei uma oportunidade de trabalho por falta de conhecimento, sempre aceitei os desafios e, através deles, me capacitei”, explica.
Luiz conta que um dos principais fatores que contribuiu para o seu aprendizado foi ter adotado a perícia como sua principal fonte de renda, o que o permitiu ter contato com a área em tempo integral. Apesar de favorecer o conhecimento, entrar de cabeça neste ramo exige muita paciência: para ser escolhido para um trabalho, é necessário que o profissional se faça conhecido e se mostre confiável. “O cargo de perito oficial é um cargo público de confiança, ou seja, é preciso ser nomeado por um juiz que o conheça e confie no seu desempenho. Muitas das oportunidades, porém, surgem através do ‘boca-a-boca’, conforme vamos aprendendo a conversar com o contratante da maneira mais adequada”, esclarece.
Com o ganho de renome, o volume de trabalho aumenta e o perito vai se fazendo cada vez mais presente nos tribunais. Nesse sentido, segundo Luiz, trabalho atrai trabalho: o profissional acaba por conhecer diversos advogados, que futuramente poderão indicá-lo para atuar como perito assistente. Do contrário do perito oficial, que é um auxiliar da justiça, o perito ou assistente técnico é contratado por uma das partes envolvidas no processo para formular pareceres, ou seja, provas periciais que servirão como potencial argumentativo na defesa de um cliente. “Nem todo processo envolve um perito assistente, por isso há mais demanda para que atuemos enquanto peritos oficiais. Mesmo assim, quem já tem sua competência conhecida pelos advogados também tem chances de ser contratado”, completa o entrevistado.
“Nosso maior patrimônio é o nosso nome. A credibilidade de um perito garante mais oportunidades, pois resguarda os juízes e advogados de situações prejudiciais durante o processo” – Luiz Fernando Perez, perito econômico-financeiro judicial
É por isso que, para Luiz, uma das ferramentas de trabalho mais importantes para o perito é a própria reputação. “Nosso maior patrimônio é o nosso nome. A credibilidade de um perito garante mais oportunidades, pois resguarda os juízes e advogados de situações prejudiciais durante o processo”, diz ele. Isso porque a perícia é uma profissão de muita responsabilidade, que afeta diretamente nas decisões judiciais. “Uma prova pericial baseada em cálculos equivocados pode induzir o juiz ao erro, o que não somente prejudica a reputação do perito e de toda a classe profissional, quanto uma ou ambas as partes envolvidas no processo”, completa.
Tendo em vista todos esses riscos, o mercado da perícia não deve ser disputado por profissionais sem capacidade técnica. Atualmente, a capacitação tem ficado cada vez mais fácil, visto que já existem cursos específicos voltados para a área, inclusive ofertados pelo Corecon-MG. Para quem quer começar agora, Luiz recomenda a introdução por meio das formações, mas incentiva os iniciantes a praticarem o quanto puderem. “Por causa da recessão que vivemos, muitos têm procurado a perícia como renda extra, mas fazer esse tipo de serviço de forma esporádica pode prejudicar o aprendizado, o que aumenta a probabilidade de erros. O ideal é praticar o máximo possível”, aconselha.
Para trabalhar com perícia, no entanto, ainda é preciso mais que os conhecimentos técnicos: ser persistente e estar em constante contato com novos juízes, numa contínua manutenção de vínculos, também são requisitos fundamentais. “O perito economista é um eterno semeador. Algumas sementes morrem, mas precisamos cuidar das que vingam para que elas continuem dando frutos. É preciso abraçar o trabalho, ser paciente e constante. Não é à toa que dizem que quem não é visto não é lembrado”.
Apesar disso, já existem ferramentas que facilitam a colocação no mercado. Luiz explica que a inserção de economistas no Sistema Eletrônico Auxiliares da Justiça (Sistema AJ), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), é uma ferramenta que tem democratizado a contratação de profissionais, já que através dela a escolha ocorre de forma mais impessoal. A consequência, porém, é o aumento da disputa por trabalho.
Já para quem pretende atuar no interior, a dica do especialista é visitar diferentes comarcas para abrir o leque de oportunidades. “No interior, o trabalho do perito é um pouco mais difícil, porque o rodízio de juízes é bem maior que na capital e a demanda pelo serviço de perícia é um pouco menor”.
*Luiz Fernando Perez é economista formado pela PUC-MG (1984). Perito Judicial atuante desde 1998. Membro do Banco de Peritos do Tribunal de Justiça de MG, do Ministério Público de MG e da Federação Nacional dos Economistas. Certificado pela UFMG em Matemática Financeira. Diretor do Instituto de Defesa Coletiva.