Em meio à pandemia do novo coronavírus e às inúmeras perdas que ela tem acarretado, fomos surpreendidos, na noite da última terça-feira (24), por um pronunciamento do presidente da república Jair Bolsonaro. Ignorando os números alarmantes de doentes e mortos ao redor do mundo, ele atacou, em rede nacional, as medidas de prevenção ao Covid-19, contrariando orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seu próprio Ministério da Saúde.
Em sua fala, Bolsonaro explicitou uma preocupação exacerbada com a economia do país, em detrimento da preservação da saúde do povo brasileiro. De fato, a ocasião que vivemos não é favorável para as inúmeras questões econômicas, mas, com a facilidade de transmissão e a letalidade dessa doença que nos assola, esperávamos posições e atitudes mais humanas, sérias e responsáveis por parte de um chefe de Estado.
Neste infeliz momento, acreditamos que o papel do poder público é priorizar a vida e a segurança da população, propondo pacotes de medidas para garantir emprego e renda aos trabalhadores. Desempregados, trabalhadores informais, e funcionários de empresas que não estão sendo liberados precisam de apoio para que não retornem prematuramente às atividades, se expondo a um vírus ainda não contido e invalidando todo período no qual, até então, permaneceram isolados. Além destes, a população de rua, que só em Belo Horizonte é composta por cerca de 4,5 mil de pessoas [1], precisa de atenção imediata, com a disponibilização de abrigos, de atendimento médico desburocratizado e de alimentação.
No que tange à economia, é tempo de adotarmos um modelo que priorize o bem-estar, a cidadania, o respeito e a dignidade humana, para além de números. Para isso, são necessárias medidas de distribuição de renda, como a liberação de crédito barato para a população por parte dos bancos, a taxação de grandes fortunas e de grandes proprietários, entre outras ações já sugeridas em nota anterior. Acreditamos ser tardia e inoportuna a busca tão ávida da presidência pela recuperação de indicadores, já que a crise vinha se desenrolando no Brasil antes mesmo do surgimento do novo coronavírus.
O país fechou 2019 com 11,6 milhões de desempregados e outros 11,9 milhões de trabalhadores na informalidade [2], com direitos cada vez mais corrompidos pela Reformas Trabalhista e da Previdência. No mesmo ano, a Dívida Pública Federal (DPF) encerrou próxima de R$ 4,3 trilhões, em nível recorde [3], enquanto o Produto Interno Bruno (PIB) cresceu a passos lentos, com aumento de apenas 1,1% [4]. As oportunidades de aceleração, no entanto, não foram devidamente aproveitadas no momento em que deveriam.
Em relação à saúde, o Brasil tampouco está preparado para lidar com as consequências das recomendações de Bolsonaro, que certamente ocasionarão aumento no número de doentes. Nosso sucateado Sistema Único de Saúde (SUS), ao qual recorrem a maioria dos brasileiros, perdeu cerca de R$ 9 bilhões no orçamento federal apenas em 2019 [5], devido às restrições impostas pela Lei do Teto de Gastos. Por isso, acreditamos que lidar com a crise sanitária é algo de maior urgência, antes que esse sistema entre em colapso e percamos centenas de vidas que muito nos importam.
Ainda estarrecidos com a opinião do presidente, fazemos um apelo para que, os que puderem, permaneçam se protegendo em suas casas. Observando o exemplo de outros países e com base em evidências científicas, destacamos que uma quarentena levada a sério encurta a curva de crescimento da doença e, quanto menor o número de casos de Covid-19, melhor será para a sociedade e para a própria economia.
Enquanto entidade de classe, estamos acompanhando a situação de perto e buscando caminhos a serem tomados nesse contexto. Por enquanto, protejamos uns aos outros e a nós mesmos, o que muito já contribui para um futuro de superação!
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DE MINAS GERAIS
BELO HORIZONTE, 27 DE MARÇO DE 2020
[1] Dados do último censo da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, realizado em 2017.
[2] e [4] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[3] e [5] Dados da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia.