A pandemia proporcionou uma conjuntura que colocou o Brasil diante da oportunidade única de repensar formas de enfrentar a profunda desigualdade e a persistente pobreza estrutural – aquela que não pode ser definitivamente diminuída pelos efeitos benéficos da estabilização e crescimento econômico – em continuidade às medidas emergenciais para assistir aos mais atingidos pelas consequências do necessário distanciamento social.

O auxílio emergencial, destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, representa um aporte estimado de R$ 320 bilhões, em 2020, e já beneficiou 68 milhões de brasileiros, mais de 40% da população acima de 18 anos. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), com tamanha parcela da população sendo beneficiária desse auxílio, a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza extrema nunca foi tão baixa, conforme dados disponíveis, reforçando a importância de uma política de renda básica para sucedê-lo.

Contudo, a renda básica deve ir além desse auxílio emergencial, que vem a ser apenas uma transferência transitória para os que perderam seus rendimentos habituais. Deve ser um patamar de bem-estar social, garantido pelo Estado, dentro dos reais limites dos gastos públicos, que seriam a capacidade produtiva da economia, por isso, no curto prazo, não poderá ser satisfatório. É necessário um debate com a sociedade em que a questão da renda básica seja refletida em conjunto com a reforma tributária e a revisão do teto de gastos. Se, por um lado, existem os benefícios para a erradicação da pobreza extrema e redução das desigualdades, por outro, é necessário que o seu financiamento seja conciliado com as políticas públicas já existentes, mas com limites institucionais que levem à plena utilização dos recursos, ao invés de impedir, como ocorre atualmente.

O principal motivo das atuais restrições fiscais seria reduzir a atuação do setor público, por várias razões. A mais singela, a crença de que o setor privado é sempre mais honesto e eficiente. Paul Samuelson argumenta que “há um elemento de verdade na necessidade da superstição de que o orçamento deve ser equilibrado o tempo todo. Uma vez desmascarada, perde-se uma das âncoras que toda sociedade deve ter contra gastos fora de controle. Deve haver disciplina na alocação de recursos ou você terá caos anarquista e ineficiência.” [Entrevista em John Maynard Keynes: Life/Ideas/Legacy (1995), de Mark Blaug – tradução livre].

Portanto, existem limites, embora mais amplos que os atualmente impostos por restrições como tetos de gastos e reduções urgentes do endividamento público. Assim, os valores e a abrangência de um programa de renda básica precisam ser estabelecidos em conjunto com aumentos de receita, com maior tributação de rendas elevadas, e outros gastos.

Neste sentido, é fundamental determinar as prioridades, inclusive entre as políticas de promoção da cidadania. Estudos empíricos vêm mostrando que, entre os segmentos mais vulneráveis, destacam-se crianças e adolescentes. Também existem evidências de que os programas de transferência de renda não têm alcançado satisfatoriamente essas faixas etárias, o que aponta para a necessidade de outras ações. Assim, além da renda básica, é essencial investir em projetos como a universalização do ensino qualidade para infância e adolescência, em tempo integral, o que aboliria a pobreza extrema nessas faixas, além de propiciar outros valiosos benefícios, sociais e econômicos.

Conselho Federal de Economia
11 de dezembro de 2020

Nota do Cofecon – Em defesa da renda básica para a promoção da cidadania
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