Desde 1999, a política monetária no Brasil tem se baseado em metas para inflação, com especificação que carrega algumas desvantagens. Uma delas é por manter metas explícitas e definidas para cada ano, o que, para o seu cumprimento, pode exigir contenção excessiva da atividade para controlar a propagação de choques de custos. Metas não divulgadas, como as do Federal Reserve (FED), ou em médias de dois ou mais anos, podem acomodar esses choques com menores perdas.
Outra desvantagem tem sido o uso de basicamente a taxa Selic, que é a taxa média de juros praticada no mercado interbancário em empréstimos de um dia. Controlando a Selic, o Banco Central do Brasil influencia as demais taxas de juros, para que a demanda no setor real cresça no mesmo ritmo da capacidade produtiva, pois crescendo abaixo não propiciará o máximo de empregos e crescendo acima pressionará os preços.
Tal modelo, praticado pelos bancos centrais em geral até a crise financeira de 2008, força o Banco Central a estabelecer as metas para a Selic exigidas pelo mercado para ajustar as taxas de juros de prazos mais longos, que são as relevantes para a demanda no setor real. Em termos operacionais, para manter a Selic na meta o Banco Central precisa conceder ou tomar empréstimos por um dia, no montante que estiver abaixo ou acima das necessidades do sistema bancário. Assim, precisa promover transferências de recursos públicos para instituições financeiras e outros rentistas, transferências quase fiscais regressivas que poderiam ser minimizadas com outro modelo de política monetária.
A partir da crise financeira de 2008, vários bancos centrais intensificaram sua atuação para condicionar as taxas de juros de prazos mais longos, a curva de juros. Enquanto o FED passa a vender ativos em larga escala para elevar essas taxas mais longas, o Banco do Japão fixa a curva, com metas formais e explicitas. Assim, não seria uma tão desprezada “jabuticaba” o Banco Central do Brasil instituir metas para taxas de juros de diversos prazos e passar a atuar no interbancário concedendo e tomando empréstimos por esses prazos, para retirar ou colocar recursos além ou aquém das necessidades do sistema bancário, além de realizar outros procedimentos, como transações com swaps e no mercado futuro, para defender suas metas de curva de juros. Com isso, transferências regressivas de recursos públicos poderiam ser minimizadas e o Banco Central controlaria diretamente, com maior eficiência e eficácia, as taxas de juros relevantes para o setor real.
Na atual conjuntura, o Banco Central iniciou um ciclo de elevação das metas para a Selic, que passou de 2% para 2,75%, a partir de 18/03/2021, e de 2,75% para 3,5%, a partir de 06/05/2021, com base em estimativas sugerindo que a ociosidade da economia como um todo se reduziu mais rapidamente do que o previsto. Mesmo que essas sejam boas estimativas, ainda que longe de um consenso, não seria um momento oportuno para conter a atividade, tamanho o contingente de desocupados e desalentados decorrente da pandemia.
Existem alternativas, que poderiam ser adotadas. Destacaríamos que o Banco Central poderia atuar, nessa conjuntura extraordinária criada pela pandemia, permitindo atingir o limite superior da meta para inflação, ao invés de seu centro, facilitando a acomodação dos chamados efeitos secundários dos choques de oferta, em termos de inércia inflacionária, muito forte no Brasil em função das regras formais e informais de indexação. Também poderíamos ir além dessa abordagem agregativa, da “economia como um todo”, e de apenas o Banco Central cuidar do controle da inflação, com outros órgãos do governo passando a colaborar com o controle da inflação, inclusive atuando nos mercados, como com desonerações em setores com pressões críticas de preço, promoção da concorrência, políticas eficientes de estoques reguladores e de financiamento à agricultura familiar.